domingo, 21 de abril de 2013

Conhecendo o inimigo

Frente Cristã Social organiza debate sobre combate à violência. Conhecer as causas é o método a ser seguido. Pois, conforme preconiza o adágio popular: prevenir é melhor do que remediar

Matheus Viana

Em A arte da guerra, Sun Tzu diz que a principal arma para derrotar nosso inimigo é conhecê-lo. Temos, como sociedade, um inimigo em comum: um vilão chamado violência. Como combatê-lo? Este foi o mote do debate promovido pela Frente Cristã Social no dia 20 de abril, no templo da Igreja Metodista Renovada em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. 

O evento contou com a participação do professor e jornalista Antônio Cassoni, do vereador e delegado da Polícia Civil, Samuel Zanferdini, do Primeiro Tenente da Polícia Militar, Luiz Eduardo Ulian Junqueira, do advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Anderson Polverel, do juiz aposentado João Gandini, dos membros do Observatório de Violência da USP de Ribeirão Preto, os professores Sérgio Kodato e Ronie Charles, e de Júnior Mendes, do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, responsável pelas penitenciárias no município de Ribeirão Preto e pesquisador da USP.



Da esquerda para a direita: Sérgio Kodato, Tenente Junqueira, Anderson Polverel, Ocimar Oliveira, Antonio Cassoni, João Gandini, Ronie Chaves e Samuel Zanferdini


Ocimar Oliveira, pastor e fundador da Frente Cristã Social, abriu o evento evocando o provérbio de Salomão: “Ensine a criança o caminho em que deve andar, e quando for velho não se desviará dele.” (Provérbios 22:6). Citou também o pensamento do psiquiatra e educador Içami Tiba que diz que os pais que levam os filhos à igreja não vão buscá-los na cadeia, elucidando sobre o papel da igreja no tocante à educação e consequente formação de cidadãos.

Como mediador do debate, Antônio Cassoni falou sobre a nuvem de medo que paira sobre a sociedade atual em detrimento da célere disseminação da violência. Em seguida, Samuel Zanferdini apontou os fatores que deságuam no mar de terror que banha as principais cidades do país. Segundo ele, a educação é precária, pois a ausência de investimentos em infra-estrutura é notória. Por isso, o sistema educacional como um todo deixou de ser atrativo para os alunos, o que resulta no alto número de evasão. Há uma grande possibilidade, conforme temos visto, de que a maioria dos que abandonam as escolas se enverede pela vida do crime.

Outro ponto abordado por Zanferdini é a fácil disseminação das drogas, em especial do crack. Fomentado pela curiosidade natural do ser humano, principalmente do contingente infanto-juvenil, o alto número das chamadas “bocas de fumo” se instalou como um câncer. A violência oriunda das disputas por pontos de tráfico, e também dos pequenos delitos cometidos por usuários para alimentarem o vício, é inevitável neste sentido.

Para combater esta realidade nua e crua, a Polícia Civil, de acordo com Zanferdini, é desestruturada. O delegado aponta para o pequeno número de efetivos para atender a crescente demanda do crime organizado. “Para se ter uma ideia da precariedade estrutural da Polícia, um escrivão chega a atender quatro delegacias. A quantidade de viaturas é insatisfatória para atender a grande área coberta pelo DP (Distrito Policial) que dirijo.”, desabafou.

Zanferdini não deixou de relatar a incapacidade do Estado em ressocializar. “A Fundação Casa é um sistema falido. E, por sua vez, a penitenciária é uma escola do crime.”, disparou. De acordo com o delegado e vereador, como uma espécie de efeito cascata, tais fatos acarretam na frouxidão da lei e na consequente impunidade. “Por conta da alta demografia carcerária, há a frouxidão da lei. O que alimenta a impunidade e, consequentemente, aumenta a violência.”, afirmou. Como soluções, propôs o aumento expressivo de investimentos na educação, combate ao acesso às drogas e a criação de leis mais severas.

Num discurso efusivo e com uma dose cavalar de emoção, o professor e pesquisador Ronie Charles disparou: “A arte precisa revolucionar o aspecto social. A violência não é exclusividade da pobreza, mas a pobreza agrava a violência.”. Aproveitou a ocasião para apresentar sua teoria chamada de Efeito do vazio: “Prego uma coisa, mas faço outra. Estabeleço uma lei, mas não a cumpro. A existência da corrupção nas instituições jurídicas; da ignorância nas instituições educacionais; de doenças em instituições de saúde; da violência nas instituições que pregam a não-violência; a demonização da violência nas escolas, mas a devoção e o culto à modalidade esportiva chamada UFC. Tudo isso é desdobramento destes vazios sociais.”.

Para Charles, todos estes disparates são oriundos da individualização do ser humano, o que fomenta a desvalorização do próximo. “Nosso modelo educacional gera competidores e não cooperadores.”, atesta. Este modelo educacional, segundo Charles, age de acordo com as normas pautadas no lucro e no bem-estar pessoal. “O alcoolismo, por exemplo, é sustentado pela sociedade porque é economicamente viável”, vocifera.

O ex-juiz João Gandini hasteou a bandeira da igualdade de oportunidades. “Só seremos um país desenvolvido quando tivermos educação de qualidade para todos”, declarou. No entanto, como a proposta era debater a violência nos moldes criminais, adequou seu discurso ao tema do evento. Fato que o fez relembrar a afirmação feita por ele no ano de 1998, quando ainda exercia o ofício de juiz: “A Justiça Penal está falida”. Desde então, segundo Gandini, a Justiça piorou. Sobre a frouxidão das leis, questão abordada anteriormente pelo delegado e vereador Samuel Zanferdini, Gandini elucidou o caráter “faz-de-conta” da Justiça brasileira. “Mudanças nas leis são de cunho eleitoreiro, populista, feitas por pessoas que apenas querem seguir a onda do clamor público. E a mídia, conivente com esta irresponsabilidade execrável, contribui, em larga escala, para sua disseminação. O que compromete o caráter jurídico do país.”.

Gandini também elucidou sobre os aspectos que chamou de “violências invisíveis”, como por exemplo, a má-qualidade da educação, as desigualdades sociais e a precariedade do sistema público de saúde. Todos eles, segundo o ex-juiz, contribuem para o aumento da violência que, de certa forma, é rentável para alguns integrantes da política tupiniquim. Gandini informou que está prevista para o ano de 2013, pelo Governo do Estado de São Paulo, a quantia de R$ 22 bilhões para investimentos nos setores jurídico e de segurança pública, o que inclui a construção de novos presídios. Indícios de obras superfaturadas e seus respectivos beneficiados.

Em um discurso sucinto, o advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Anderson Polverel, bateu na tecla da participação efetiva do Estado na coerção da violência. “Não há mudança sem a presença do Estado. E o Estado é ausente na comunidade.”, afirmou. Apesar de citar a importância da religião na formação moral e social do indivíduo, disse que ela não extingue a participação do Estado na busca pelo bem-estar da comunidade. Na esteira de Polverel, o Tenente Junqueira reforçou o papel da religião na educação do ser humano e na consequente diminuição da violência na sociedade ao qual está inserido. “Tive aulas de Educação Moral e Cívica e também de Religião. E atualmente estas duas matérias fazem falta.”, lamentou.

“Se cada um cuidar de sua família, cuidaremos da comunidade.” Citando este provérbio de Confúcio, o professor e pesquisador Sérgio Kodato propôs uma política conjunta entre pais e professores no tocante à gestão das salas de aula. Um dos problemas a serem solucionados, segundo Kodato, é a falta de desenvolvimento na capacidade de ensino do sistema educacional brasileiro. “Devido ao engessamento do sistema educacional, a violência na sala de aula tornou-se comum. A internet encantou os nossos filhos em relação ao conhecimento. Devido a isso, estamos diante de escolas desencantadas, pois estão desprovidas de tecnologia.”, diagnosticou. Kodato propôs, no entanto, que a escola não seja atraente apenas para os alunos, mas também para os pais. Pois, segundo ele, os professores não são capazes de administrar, de maneira satisfatória, uma sala de aula por completo. Por isso precisam da participação efetiva dos pais para esta nobre missão.

Júnior Mendes (foto abaixo), na tentativa de sintetizar todo o conteúdo exposto, preconizou: “Tudo começa pela educação”. Para sustentar sua afirmação, argumentou: “A discussão do combate à violência deve começar na igreja, pois a origem do mal humano é espiritual.”. Por conhecer o sistema penitenciário internamente, Mendes abordou um fator que não fora abordado até então: “Somente os que praticam os crimes é que são encarcerados. Mas há os que administram o crime organizado. Além disso, há também os que administram o crime de dentro dos presídios. Se temos um contingente de 2000 presos, apenas 20 deles comandam todo o restante. O PCC é um exemplo vivo.”, afirmou.

Diante desta “política do crime organizado”, Mendes afirmou: “Sou contra benefícios para presos que controlam ou são controlados por outros presos. Pois eles também infringem a lei do próprio sistema penitenciário”. Mendes atribui esta certa facilidade de burlar o sistema penitenciário à alta demografia prisional. “A questão do trabalho e educação para a ressocialização dos presos é feita com esmero. Mas não é suficiente para o excessivo contingente prisional.”, atestou.


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