Matheus Viana
“Não apenas ministério, nem somente empresa. Somos um
ministério organizado como empresa cumprindo uma missão.”.
Esta é a filosofia relacionada a uma instituição que,
segundo se define e age, não sei se é religiosa, corporativa ou uma síntese de
ambas. Mas analisando o comportamento e os modelos organizacionais usados por
várias denominações e instituições evangélicas, vemos que a filosofia acima é a
que as fundamenta. A questão que surge é: Este é o padrão bíblico? Depende
de qual seja a bíblia. De acordo com a Bíblia cristã canônica, que descreve o
perfil e a organização da Comunidade Cristã, também conhecida como Igreja
primitiva, não é. Veremos por quê.
Comecemos com a concepção da Igreja. Jesus disse a Pedro: “Te digo que tu és Pedro (petrus, pequena pedra), e nesta pedra (petra, rocha), edificarei a
minha igreja...”. (Evangelho segundo Mateus 16:18). Jesus é o fundamento da
Igreja. Sim, isso é obvio. Sendo assim, somos sua extensão como representantes
na terra. Sobre a sua organização, Paulo, o autor que mais elucidou sobre este
aspecto, a descreve como um corpo.
Um corpo é algo organizado. Nossos movimentos motores são
determinados pelas sinapses cerebrais em sinergia com os batimentos cardíacos e
orquestrados com os dinamismos neurais, musculares e com toda a complexidade da
qual somos constituídos. Paulo elucida sobre a vasta e plural organização da
Igreja, personificada no corpo de Cristo, no capítulo 12 de sua carta aos
coríntios.
Além disto, vemos a organização da Igreja primitiva no
livro de Atos dos apóstolos. Logo no primeiro capítulo, vemos a instituição de
Matias para assumir o ofício de apóstolo no lugar de Judas. O presbitério
formava o governo da Igreja, modelo utilizado por Cristo no exercício do
discipulado. Após este episódio, todavia, não vemos nas Escrituras a
continuação de instituir doze pessoas como organização eclesiástica. Não vemos,
por exemplo, quem eram os “doze” discípulos de Pedro, de João ou de qualquer um
dos apóstolos.
Contudo, a Igreja primitiva era meticulosamente
organizada. Verdade evidente no livro de Atos. Lucas relata tal fato: “Naqueles dias, crescendo o número
de discípulos de fala grega entre eles, queixaram-se dos judeus de fala
hebraica, porque suas viúvas estavam sendo esquecidas na distribuição diária de
alimento. Por isso os doze reuniram todos os discípulos e disseram: ‘Não é
certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às
mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens (e não doze) de bom testemunho, cheios do
Espírito de sabedoria. Passaremos a ele esta tarefa e nos dedicaremos á oração
e ao ministério da palavra’”. (Atos
6:1-4).
Vejamos! Na Igreja primitiva havia atividades diferentes e
específicas. Os doze apóstolos foram separados para os ofícios espirituais
(oração e ensino da Palavra). Já os sete diáconos, escolhidos pelos membros,
foram separados para o serviço social. O padrão da verdadeira Igreja de Cristo
não faz distinção entre os evangelismos espiritual e social. Considera-os como
dois lados de uma mesma “moeda”. Apesar de tal coesão, no entanto, cada membro
exerce sua função conforme o dom que recebeu do Espírito Santo (I Coríntios
12:4-7). Organização não anula a pluralidade. Verdade fundamental esquecida
pela Igreja atual.
Esta organização, todavia, não tem caráter corporativo.
Pois a base é Cristo. Logo, não extrai o dinamismo da vida humana. Temos visto
a derrocada do evangelho atual que, a cada dia que passa, se conforma aos
moldes corporativos (empresariais). Modelos eclesiásticos se rendem às
configurações do marketing no intuito de arrebanhar mais membros não como
resultado de uma conversão genuína (experiência religiosa), mas por tocar as
necessidades criadas por uma sociedade consumista e cada vez mais pautada no
materialismo e no ideal da autoajuda. Ou seja, a necessidade de arrependimento
e de salvação tem sido preterida pela “necessidade” de riquezas materiais e
satisfações emocionais. Estamos longe do culto
racional elucidado por Paulo
em sua carta aos romanos (Romanos 12:1-2).
Por isso, ministérios foram transformados em empresas. Há,
acredite, quem veja esta metamorfose como algo normal. Como consequência,
pastores têm usado da influência e do carisma – sim, me refiro à caris(Graça) divina – que possuem
para arrebanhar adeptos para a sua rede do cada vez mais comum marketing multinível. Há quem
diga que esta atividade é paralela ao ministério. Mas os fatos evidenciam uma
realidade bem diferente.
Como consequência, temos visto o crescimento do chamado
evangelhomodo-de-produção. O
cristão passa a ter seu convívio social na denominação onde frequenta
condicionado à sua produtividade. Sim, há metas e todos os atributos contidos
nos pacotes corporativos de empresas famosas. Consultores de empresas como John
Maxwell, Myles Monroe, entre outros ganham ares de teólogos. Em contrapartida,
gigantes teológicos como John Stott, Alister McGrath, John Piper, Augustus
Nicodemus entre outros são preteridos como radicais. Em qual destas “alas”
Jesus estaria? Você
ainda têm dúvida?
Jesus, em sua época, encontrou uma religião configurada
nos moldes “corporativos” romanos. Consequentemente, foi rejeitado e
desprezado. Por esse mesmo motivo, Deus enviou João Batista, sacerdote por
direito e herança por parte de pai e mãe, a exercer seu ofício sacerdotal no
deserto a fim de ser a “voz do
que clama no deserto”. Segundo
a Bíblia, ministério (corpo de Cristo) e empresa (corporativismo cristão) são
incompatíveis. São insolúveis como a água e o óleo. Basta analisarmos o modelo
organizacional da Igreja primitiva para detectarmos, com certa obviedade, tal
verdade.
Certa vez, quando era editor da revista Profecia, um pastor questionou
dois membros da revista sobre ela ser um mero “ganha pão” e, por isso, não se
tratava de um ministério. Quão grande equívoco! A revista se enquadrava
exatamente no modelo que Jesus estabeleceu: “Porque
a minha comida (ganha pão) consiste em fazer a vontade
daquele que me enviou a fazer a boa obra.” (Evangelho segundo João 4:34).
Pregávamos o Evangelho através da revista e, ao mesmo tempo em que recebíamos
(muito pouco, quando recebíamos), também pagávamos um alto preço por isso. Quem
participou deste processo sabe o que estou dizendo...
Jesus estabeleceu a Igreja para ser Seu corpo na terra. Ou seja, que sua
organização e ação sejam resultados de sentirmos (Filipenses 2:5), pensarmos (I
Coríntios 2:16) e agirmos como Ele (I Coríntios 11:1). Esta “tríade” é
impossível em uma organização estática como a empresarial. A organização da
Igreja de Cristo é baseada em Sua Palavra que é “Espírito e vida” (Evangelho segundo João 6:63), e não
em sistemas e métodos pragmáticos.
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