quarta-feira, 10 de julho de 2013

Discernindo conceitos – Parte II

Matheus Viana

Jesus preconizou:“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (Evangelho segundo João 8:32). Mediante tal afirmação, deduzimos que a liberdade está pautada na verdade. Definir o que seja, de fato, esta verdade citada por Jesus demanda uma exaustiva reflexão que não faremos neste momento. No entanto, podemos defini-la, em nosso contexto, como um padrão ético/moral e de normalidade.

Todo ser humano tem sua vida, e consequentemente sua liberdade, pautada em um padrão. Mesmo o mais relativista dos homens – podemos usar Nietzsche como exemplo - tem a necessidade de definir o que é certo e errado, normal e anormal. E isto é impossível sem um padrão pré-estabelecido que sirva como referência. (Não deixe de ler o texto O que é normalidade?)

O próprio fato de uma pessoa não acreditar na existência do certo e do errado, mas de que tudo é relativo, é desdobramento de sua devoção a um padrão moral e de normalidade. Pois esta pessoa classifica o absoluto como errado e o relativo como certo. Para o imoral, por exemplo, fazer o que contraria a ética, e consequentemente a moral, é a coisa certa e normal a se fazer.

C.S Lewis, elucidando sobre a teoria da Lei moral, afirma que o fato de termos a consciência do certo e errado é indício da existência de um padrão. Ou seja, a nossa capacidade de discernir o certo e o errado é produto de sermos submissos a um padrão moral que definimos para nós mesmos. E este padrão moral é reflexo da existência de uma Lei moral superior a nós que, de forma direta ou indireta, nos influencia. É semelhante ao fato de que nossa existência atesta a existência – ainda que ela já tenha falecido – de nossa mãe.

Sem este padrão, estamos como um barco à deriva em alto mar. Nossa vida perde totalmente o sentido e, com isso, ficamos enredados no limbo do niilismo existencial. Isso não é ser livre, é ser libertino. Como vimos no texto anterior, a liberdade só existe quando há uma ordem social. E esta ordem é pautada por leis e diretrizes originadas na vontade geral dos membros de uma sociedade. Pois é esta ordem que dá sentido à existência humana e à nossa ação no mundo em que vivemos. Esta ordem social nada mais é do que o estabelecimento de um padrão de normalidade.

Eis o círculo virtuoso: liberdade só pode ser exercida quando nos submetemos a um padrão de normalidade. Um padrão de normalidade é constituído de ética e moral. Ética é o conjunto de leis, normas e costumes que regem uma sociedade. E este conjunto é resultado de nossa vontade conciliada com a vontade geral. Neste ponto, é necessário evocarmos a definição de Schopenhauer sobre justiça e injustiça.

O filósofo dizia que injustiça é o ato exercido por uma pessoa que, através da coerção física ou verbal, impedia outra pessoa de exercer sua vontade. E justiça é o ato em que uma pessoa faz todo o possível para que a vontade de outro seja feita em detrimento da sua. Conforme Rousseau preconiza, uma ordem social (padrão moral/de normalidade) só pode existir mediante leis. As leis nada mais são do que o estabelecimento da vontade geral. Algo que só é possível quando as vontades particulares forem renunciadas de forma espontânea. Isso, segundo Schopenhauer, é justiça. E sabemos que o pleno exercício da justiça é essencial para o bom funcionamento de uma sociedade.

Nietzsche definiu a diferença entre moral nobre e moral escrava. A “moral nobre”, segundo ele, está pautada na ação egoísta. Ou seja, quando a vontade particular tem a primazia – e o total controle – sobre a geral. Já a moral “escrava” é a pautada na não ação e no altruísmo. Portanto, a vontade geral definida por Rousseau, para Nietzsche não passa de moral escrava. Agora, imagine uma sociedade onde todos os seus membros optassem pela “moral nobre”? Não haveria altruísmo. Sem altruísmo, não haveria renúncia das vontades particulares. Sem esta renúncia, não haveria o estabelecimento das vontades gerais (leis e diretrizes). Sem leis e diretrizes, não haveria ordem social (padrão de normalidade). Sem ordem social, existiria apenas o caos. E no caos, não há liberdade, mas apenas a libertinagem.

E exatamente a Ordem que Deus concedeu ao ser humano, que C.S Lewis denomina como Lei moral e eu, ousadamente, confesso, denomino como padrão de normalidade, que Jesus nos adverte a conhecermos. Pois quando a conhecermos, algo que implica também na plena observação a ela, seremos, de fato, livres. No entanto, esta Ordem é que deve pautar os padrões que estabelecemos para nossa vida individual e coletiva. Por isso Rousseau elucida: “Toda a justiça procede de Deus, só Ele é sua fonte, porém, se soubéssemos recebê-la de tão alto, não necessitaríamos de governos e de leis.”. É neste ponto que o Estado laico entra em ação. Não deixe de ler o texto: Laicismo.

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