Matheus
Viana
Muitos
confundem liberdade com libertinagem. Mas seus conceitos são indissociáveis
como a água e o óleo. O dicionário Michaelis traz várias definições para
liberdade. Cito algumas:
1 Estado
de pessoa livre e isenta de restrição externa ou coação física ou moral. 2 Poder
de exercer livremente a sua vontade. 3 Condição de não ser
sujeito, como indivíduo ou comunidade, a controle ou arbitrariedades políticas
estrangeiras. 4 Condição do ser que não vive em
cativeiro. 5 Condição de pessoa não sujeita a escravidão ou
servidão.
Para libertinagem, emite as seguintes definições: 1 Vida de libertino. 2 Devassidão,
licenciosidade. Para que nossa reflexão seja completa, cito também a
definição que o dicionário traz para libertino: Desregrado nos costumes,
dissoluto, licencioso, lascivo.
Mediante
tais definições, ouso fazer uma sucinta para cada um destes dois elementos:
Liberdade é o exercício de ser e fazer mediante o conjunto de direitos e
deveres; e libertinagem é a tentativa de ter apenas direitos e ser
completamente desprovido de deveres. O que é definido, em outras palavras, como
anarquia. Tais definições são baseadas em vários pensadores. Cito alguns deles.
Rousseau
dizia que o ser humano possui duas liberdades distintas: a natural e a civil,
também chamada de social. A liberdade natural consiste no fato de que todo ser
humano nasce livre para fazer o que bem entender. Conceito, de certa forma,
conflitante com o de Aristóteles que dizia que a natureza fez alguns para serem
senhores e outros para serem escravos. Onde dizia que os mais inteligentes
nasceram para comandar e os mais fortes fisicamente para servir.
Já a civil é a liberdade que deve ser exercida em uma sociedade. Platão em A
República, Aristóteles em A Política e o próprio Rousseau
definiram sociedade como um conjunto de famílias/pessoas submissas a uma ordem
social. Rousseau, no entanto, diz em seu livro Do contrato social que
esta ordem “... é um direito sagrado que serve de base para todos os demais.
Não obstante, este direito não vem da Natureza; funda-se em convenções
(contrato social)”.
De acordo
com Rousseau, para que a necessária ordem social seja instalada, é preciso
definir a diferença entre vontade comum e vontade geral. Vontade comum é a
vontade particular do indivíduo, e a vontade geral é o pleno consenso entre
todos os membros da sociedade para que as leis e diretrizes que estabelecem
a ordem social sejam definidas. Estas leis e diretrizes não são definidas por
um governante soberano, mas por um poder legislativo que representa a
vontade geral do povo.
As leis e
diretrizes, de acordo com Rousseau, são atos e desdobramentos da vontade geral.
Logo, não é algo imposto de forma contraditória, mas sim a própria vontade
geral estabelecida como instrumento de ordem social. Por isso ele afirmou: “...
a lei não pode ser injusta, mesmo porque ninguém é injusto para consigo (...)
porque são estas (leis e diretrizes) expressões de nossa vontade”. Ou seja, do
direito de exercemos nossa liberdade civil.
Para que
isso seja possível, as vontades particulares que são contrárias às vontades
gerais – transformadas em leis – precisam ser preteridas e renunciadas por
todo associado à ordem social. Pois se vários membros pleiteiam por vontades
particulares, segundo Rousseau, a ordem social está fadada ao fracasso e à
total dissolução. Ou seja, a liberdade civil, necessária para o estabelecimento
da ordem social, é pautada na vontade geral. E esta, por sua vez, é produto da
renúncia dos membros da sociedade às suas vontades particulares.
O
exercício da liberdade civil e sua consequente ordem social só são possíveis
com o estabelecimento de direitos e deveres. Portanto, podemos dizer que a
vontade geral – que propicia a ordem social – produz a liberdade, e a vontade
particular – que é contrária à geral e propicia a desordem social – produz a
libertinagem. Em seu livro, O espírito das leis, Montesquieu
afirmou: “Todo homem é livre para fazer o que a lei o permite fazer”.
Infelizmente, o conceito de lei, na prática, não
é resultado da vontade geral, mas da vontade particular dos governantes ou de
grupos isolados e, por isso, instrumento ditatorial, não de liberdade. Por
isso, tais conceitos tornam-se, aparentemente, utópicos. No entanto, meu
intento é refletir sobre a importância de um padrão de normalidade para pautar
nossa vida individual e coletiva. Continuaremos nos próximos posts.
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