sábado, 14 de setembro de 2013

Desvendando a ignorância científica

Matheus Viana

Um dos pilares do exercício da apologética cristã é desconstruir as argumentações baseadas em conceitos reducionistas. Um argumento comum e explicitamente reducionista é o de que o criacionismo possui apenas implicações religiosas. Como contraponto, surge a afirmação de que apenas argumentações científicas são válidas por serem neutras e considerarem apenas os fatos naturais. Isso é uma falácia. Vejamos por quê.

O termo criacionismo possui várias vertentes: a religiosa, a bíblica e a científica. O criacionismo científico busca através das leis da ciência dar uma resposta não natural ao surgimento da vida e do universo, ou seja, atestar o fato de que foram criados. Entretanto, não pretende explicar quem foi o criador, ficando a cargo da religião essa resposta.

Algumas leis científicas respaldam a teoria do criacionismo científico. Entre elas está a Lei da Biogênese, teorizada por Louis Pasteur, que comprovou, através de experimentos, que vida só é gerada a partir de outra vida. Analisemos também a Primeira Lei da termodinâmica. A expressão termodinâmica (termo – temperatura, dinâmica – movimento) já denota o propósito ao qual ela serve. Como é definida, esta lei implica no princípio da conservação da energia. Por conta da existência da entropia, esta conservação não é algo estático, mas implica em movimento, por isso é “dinâmica”.

Aristóteles define movimento como o ato (por exemplo, uma mangueira) de um ser em potência enquanto tal (por exemplo, a semente desta mangueira antes de se tornar mangueira), ou seja, a passagem da potência para o ato. No entanto, conforme a Lei da termodinâmica preconiza, este sistema não pode criar ou consumir energia, mas apenas armazená-la ou transferi-la. Contudo, esta lei trabalha com o fato de a energia ser um ato. Sendo um ato, como tudo na natureza, ele é oriundo de uma potência. Mas, qual é a sua potência? Se é o átomo? Qual é a potência do átomo?

Se a lei da termodinâmica é o “movimento da energia”, este movimento, obviamente, não é algo estático. Se não é estático, implica em algo processual. Se é um processo, existe uma forma, um modo de acontecer. Neste fato reside algo muito interessante. O enunciado de Clausius, na segunda Lei da Termodinâmica, diz: O calor não pode fluir, de forma espontânea, de um corpo de temperatura menor, para outro corpo de temperatura mais alta.”. Podemos, baseados neste enunciado, afirmar que a fluência de calor implica em um processo. E ele está submisso a um modo de acontecer que não ocorre de forma espontânea, mas é anteriormente determinado por algo ou alguém externo. Este princípio aplicado às questões mecânicas, como por exemplo, uma geladeira, fica evidente a ação do homem no processo. Mas e no caso das temperaturas e demais processos naturais? O quê ou quem é o agente externo?

A ciência que estuda os acontecimentos naturais é a fenomenologia. Há duas fenomenologias distintas: a teorizada por Immanuel Kant e a teorizada por Edmund Husserl. A de Kant separa o conhecimento - além das razões pura e prática - em duas partes: cognoscível (fenômeno) e incognoscível (númeno). Os fatos cognoscíveis (que podem ser conhecidos e estudados) são os acontecimentos naturais, e os incognoscíveis são os fatos metafísicos, que não podem ser estudados por meio da razão. Em outras palavras, do método científico teorizado por Francis Bacon durante a revolução científica do século XVII. Kant definiu Deus e tudo o que pode ser relacionado a Ele como incognoscível.

Na esteira da fenomenologia kantiana, surgiu o positivismo de August Comte que consiste em suas leis invariáveis, de onde se deriva o determinismo. Ou seja, é impossível associar o “acaso” e os processos naturais espontâneos à noção de propósito e determinação positivistas. Há também a chamada “fenomenologia moderna”, cujo considerado “pai” foi o matemático alemão Edmund Husserl. Husserl define como fenômeno todo fato que ocorre diante da consciência do indivíduo. E, sua fenomenologia, por ser ampla, deve ser realizada por todas as áreas da ciência que envolvem o fenômeno. No caso do surgimento do universo e da vida, devemos considerar a astrofísica, a geologia, a física, a matemática, a antropologia, a biologia e, além de outras, a filosofia e, para desespero de muitos, a teologia.

Não se pode extirpar a participação da filosofia e da teologia – que difere de religião - do exercício e desenvolvimento da ciência. O modelo científico – que consiste na tríade: hipótese, experimentação empírica e generalização -, é consequência do avanço da filosofia e da teologia. Por mais ateu que você seja, não pode deixar de considerar o fato histórico de que grandes cientistas, cujas teses ajudaram a desenvolver os estudos científicos, eram cristãos, como Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Isaac Newton.

Um dos fatores motrizes do método científico, sem deixar, claro, de citar a importância do empirismo de John Locke, entre outros, foi René Descartes com o que definiu como Dualidade Psicofísica. Resultado de seu cogito: “Penso, logo existo”, Descartes, que definia a essência humana como razão – ser pensante -, afirmava que o ser humano, em sua plenitude, era dividido em duas partes: o ser pensante (razão/psico), que é alvo de estudo da filosofia; e o físico (corpo), que é alvo de estudo da biologia. Desta dualidade é que surge a divisão científica que conhecemos atualmente. Por que relembro estes fatos históricos? Porque Descartes, considerado o pai do racionalismo, amplamente usado pela ciência, era Cristão e, apesar de criticar alguns elementos da filosofia de Aristóteles, formado pelo método escolástico.

Por falar em método escolástico, não se pode tirar da ciência que conhecemos atualmente o argumento cosmológico Kalam, desenvolvido por Al Ghazali e Tomás de Aquino. O filósofo americano Willian Lane Craig, a respeito do argumento cosmológico Kalam, diz: “Al-Ghazali propõe o seguinte raciocínio: Tudo o que começa existir o faz num determinado momento do tempo. Contudo, uma vez que antes da existência de alguma coisa todos os momentos são iguais, deve haver uma causa que determina que algo venha a existir naquele momento, e não antes ou depois. Portanto, tudo o que existe deve ter uma causa.”1. 

Baseado na filosofia científica de Aristóteles, Tomás de Aquino defendia que tudo o que existe no mundo carrega em si um propósito. Elucidando sobre isso, Craig diz: “Vemos no mundo que as coisas estão em movimento. Contudo, tudo o que se move é movido por outra coisa qualquer. Isso porque uma coisa que tenha o potencial de se mover não pode transformar em ato seu próprio potencial. É preciso que alguma outra coisa faça com que ela se mova. Esta coisa, porém, também é movida por alguma outra coisa que, por sua vez, também é movida por outra e assim por diante.”. Neste caso, ou se usa o argumento ad infinitum, o que nos reduziria a um niilismo irracional (e nada científico) ou somos forçadamente, pelas vias da razão, a nos convencermos de que, conforme Aristóteles afirmou, há um ser, um ato, que não foi gerado por uma potência; mas sempre existiu como um Ato Puro ou Primeiro Motor. Afirmar que este ser seja Deus é uma pressuposição religiosa. Mas afirmar a existência de um Ato Puro é uma pressuposição científica, ou melhor, do criacionismo científico.

Este ser - Ato Puro - passou a gerar as potências, que se transformaram em atos, com um propósito. Fato que derruba o “acaso” comumente aplicado à teoria da evolução. Outro fato científico que denota a ideia de um Ato Puro, ou Primeiro Motor, é o DNA. De acordo com o físico e astrofísico Jason Lisle: “O DNA se enquadra na definição de informação: contém uma mensagem codificada (os pares em tripletes representam aminoácidos) e tem uma ação esperada (a formação de proteínas) e um propósito pretendido (a vida)”. Lisle ainda afirma: “A informação do DNA não pode ter surgido por mutações e seleção natural, pois as leis da ciência da informação dizem que toda informação vem de uma mente. (...) As leis da ciência da informação confirmam a criação”.2. 

Falando sobre as possíveis “mutações evolucionistas”, Lisle faz menção à reserva genética contida no DNA. Ele preconiza: “Nunca foi observado que as mutações pudessem acrescentar informação totalmente nova, e assim elas não podem ser o mecanismo condutor da evolução. Ocasionalmente as mutações podem fazer uma seção de DNA ser duplicada, mas será que isso realmente aumenta a informação?”. Ou seja, pelo mecanismo da reserva genética, é possível que haja mutações, mas esta quantidade de informações não é suficiente para, por exemplo, fazer com que uma barbatana se transforme em uma pata. 

Esta reserva genética não gera “novas” informações. Os que afirmam esta possibilidade estão, ainda que inconscientemente, afirmando a existência de uma informação criativa. Apesar de todas as hipóteses deste mote apresentadas pela teoria da evolução, nenhuma delas ainda foi submetida, satisfatoriamente, à experimentação empírica. E por isso não podem, nem de longe, ser tratadas como fatos científicos. Lisle ainda afirma: “Informação criativa não pode aumentar espontaneamente, por acaso. Ela é sempre resultante de inteligência.”. É também nesta evidência, por exemplo, que a teoria do Design Inteligente se baseia. Diante de tudo isso, podemos deduzir que a afirmação de que o criacionismo possui apenas implicações religiosas é bastante simplista, para não dizer ignorância, ainda que mascarada com a expressão científica.

Referências bibliográficas

1 - CRAIG, Willian Lane, Apologética contemporânea: a veracidade da fé cristã – 2 ed., São Paulo: Vida Nova, 2012

2 - LISLE, Jason. A prova definitiva da criação: resolvendo o debate das origens – Editora Monergismo, 2012

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